No Brasil, como em grande parte do globo terrestre, as telecomunicações, há um bom tempo, vêm evoluindo para um modelo de junção dos serviços demandados. Para a convergência de voz, dados e imagem, acrescida de mobilidade, não faltam inovações tecnológicas, mesmo com quase uma dezena de redes legadas.
Desafiadas pela tecnologia e pelo mercado, as operadoras de telefonia fixa modernizaram suas centrais com next generation networks (NGN) caminhando para um ambiente IP. Principalmente os novos entrantes, por construírem redes mais modernas, passaram a ofertar serviços baseados em IP, e usar essa vantagem competitiva para conquistar clientes.
O interesse público da extinção das concessões de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), previsto para 2025 (ou adaptação antecipada das outorgas), se insere no contexto regulatório brasileiro do momento. O que fazer com o STFC? Acabar com ele (pelo menos, como serviço público), partir para uma nova licitação, ou, assumir a sua continuidade?
Mundialmente, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), via uma transformação digital, geram disrupção econômica. Essa dinâmica deixa os órgãos reguladores expostos a surpresas inevitáveis e na busca de soluções, uma vez que essa evolução tecnológica impacta as estruturas mercadológicas e legais.
Os desafios intensificados pela convergência de redes e serviços, incluindo a necessidade de avaliar a extensão de obrigações regulatórias impostas aos prestadores dos serviços, torna invisível a linha que separa Tecnologia da Informação (TI) tradicionalmente não regulada, dos serviços de Comunicação (Telecomunicações e Mídia) sujeitos a condicionamentos regulatórios.
As inovações tecnológicas desequilibram as outorgas de serviços públicos, ou privados, e as empresas que as detêm terão de se adaptar à realidade do mercado, compartilhando infraestrutura, incluindo RAN sharing (frequências de acesso), em parcerias ou em competição. Essas inovações, ainda que imprevisíveis quando na assinatura de contratos com o poder público, são um acontecimento natural em um mercado sujeito a tecnologias disruptivas.
Dá para esperar por um novo modelo regulatório de telecomunicações revendo o conceito de bens reversíveis vinculados à concessão? Não dá! Será mais estratégico definir o que realmente significa o referido conceito, pois à medida que o fim da concessão se aproxima (2025) menos atraente ela fica e os investimentos deixam de ocorrer. Felizmente o Ministério das Comunicações e a Anatel iniciam demonstração de vontade política para tratar do assunto.
A Exposição de Motivos (EM 231/MC/1996) da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) destaca a responsabilidade que terá o regulador, ao longo da execução do contrato e à luz da evolução tecnológica, de selecionar os ativos que, a cada momento, integrarão o rol de bens reversíveis. Fundamenta o caráter funcional da reversibilidade, e não patrimonial, caracterizando apenas aqueles bens imprescindíveis a prestação do objeto da concessão.
E não se fale somente do STFC, objeto de concessão, que a cada dia perde tráfego, assinantes, receita e valor. Que se fale, também, do Serviço Móvel Pessoal (SMP), que sofre desativação de acessos em função de planos mercadológicos que permitem o uso de um só chip para o cliente se conectar via diferentes operadoras e, ainda, da pretensão governamental de triplicar a taxa de Fistel, o que poderá inviabilizar o uso dos acessos pré-pagos; e do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que mostra tendência de estagnação em função do streaming (filmes, jogos e música via internet).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014 mostrou que o telefone celular estava presente em 91% dos domicílios brasileiros, sendo o único tipo de telefone em 56% deles. Por outro ângulo, somente 37% dos domicílios tinham telefone fixo convencional. A PNAD demostrou uma mudança radical na forma com que os brasileiros se comunicam. A telefonia fixa, que em 2004 superava a telefonia celular, em 2014 já era o único tipo de telefone em menos de 3% dos lares brasileiros.
Os milhares de prédios e milhões de quilômetros de cabos de pares de fio de cobre instalados na rede legada das concessões de STFC sofreram radical mutação quanto à especificidade de seus ativos. A Oi, por exemplo, a maior concessionária, possui cerca de sete mil prédios pelo País, alguns já desativados.
Em 1998, para explorar a concessão de STFC, existiam menos de 10 prédios “centros de fios” em Rio Branco – AC, idem em Belém – PA; mais de 10 prédios em Fortaleza – CE, idem em Recife – PE e Porto Alegre – RS; quase 30 prédios em Brasília – DF; algo em torno de 100 prédios no Rio de Janeiro – RJ, idem em São Paulo – SP; e assim por diante nas demais cidades. Hoje com um, somente um, “centro de fios”, a não concessionária GVT, por exemplo, pode explorar em cada uma dessas cidades todos os serviços demandados de telecomunicações, e não somente o STFC.
Os conceitos de planejamento, projeto e construção das redes são diferentes daqueles do passado. As concessões de STFC, com suas redes legadas dadas a acentuada inovação tecnológica e convergência dos serviços, estão mais sujeitas à obsolescência (ou perda de utilidade) do que as autorizações do mesmo serviço.
No que se referem à inovação tecnológica, discussões sobre redes virtuais, com data centers e cloud computing, se apresentam e as operadoras, mais a indústria, se mostram ansiosas para decidir como investir em novas tecnologias, onde se inclui a virtualização das redes, fortemente turbinadas pelo uso de dados e vídeo.
Está na hora de levar a disrupção a sério, pois a entrada de concorrentes inesperados capazes de mover a estrutura de mercado afeta os consumidores e os regulados que exploram os serviços. Sem alterar a LGT, por ser desnecessário, que à luz da EM 231/MC/1996 e da evolução tecnológica, se esclareçam os conceitos de regime de prestação dos serviços e dos bens reversíveis vinculados (se houver).
Parodiando Guimarães Rosa, com o filme franco-brasileiro “A Terceira Margem do Rio” (1994), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, roteiro baseado no conto com o mesmo título no livro “Primeiras Estórias” (1962), onde o autor conta a história de um homem que se esquiva da convivência com a família e com a sociedade, permanecendo em completa solidão do rio, lugar em que, dentro de uma canoa, rema “rio a fora, rio adentro”; poderíamos então, dentro da “canoa.br”, perguntar, o que se quer?
Em uma das duas margens do grande rio das telecomunicações, estão os consumidores com plena capacidade de decisão, sabendo o que precisam e cada vez com mais poder, ansiosos por banda larga e com velocidades crescentes. Na outra das margens estão os reguladores, os regulados e a indústria.
(*) Juarez Quadros do Nascimento é Engenheiro Eletricista, sócio da Orion Consultores Associados e ex-ministro das Comunicações.